A alfabetização aconteceu no tempo certo, de forma natural. A brincadeira preferida na época era montar palavras, quer fosse com jogos físicos ou digitais. Lembro que tínhamos um alfabeto em forma de jogo de encaixe, com uma letra de cada do alfabeto. Para escrever palavras com letras repetidas, nossa autista era bem criativa: utilizava o “V” invertido para representar a letra “A”, o número “1” para representar a letra “i”, o “6” para o “g” e assim por diante. Na época, achei o máximo e pensei: como minha filha é inteligente!
Investimos em livros de histórias e ela lia muito, em voz alta e sozinha no quarto. Nunca gostou de plateia ou elogios, nem sequer queria que participássemos de suas brincadeiras ou cantássemos com ela. Hoje, com 14 anos, ela fala com todas as letras: “Quero ficar sozinha, fecha a porta, quero que a mamãe saia…”
Outra conquista, que não aconteceu de forma tão natural, mas no tempo dela, foi a fala funcional: responder perguntas simples como “sim” ou “não”. Eu havia desenvolvido uma técnica em que perguntava algo, abria os braços e indicava uma mão para o “sim” e outra para o “não”. Ela precisava bater na mão com a resposta desejada. Essa forma de comunicação foi usada por alguns meses, até que a psicóloga que nos acompanhava (e que fez um trabalho maravilhoso, personalizado, em domicílio) percebeu que aquele era o salto que precisávamos para desenvolver a fala.
Quando minha filha escolhia a mão do “sim”, deveríamos pedir que ela repetisse a palavra “sim”, fizesse contato visual e disséssemos: “Você escolheu o sim. Ok, então vai ganhar ou fazer isso.” E ela respondia e mostrava satisfação por ter conseguido se comunicar.
Essa foi, de fato, uma virada de chave. A partir dali, outras frases foram sendo formuladas, e ela percebeu que podia pedir antes mesmo de perguntarmos. Assim, ensinamos frases como: “eu quero isso”, “eu quero aquilo”, “eu não quero isso”, sempre incentivando e pedindo que ela verbalizasse. Mesmo quando já sabíamos o que queria, pedíamos que dissesse. Ficamos tão animados que, confesso, até desconfio que a sobrecarregamos com tantas perguntas e conversas, algo que queríamos há anos ter com ela.
Essa psicóloga esteve conosco por pouco mais de um ano, e sou imensamente grata pelo trabalho maravilhoso que fez com nossa autista. Nessa época, nossa menina já tinha 7 anos e frequentava o segundo ano do ensino regular. Também tivemos a sorte de ter uma professora incrível, que soube incluí-la nas atividades de forma muito natural. Ela amava ir à escola e aprendeu muito durante o ano letivo. No final do ano, pela primeira vez, participou da apresentação de encerramento juntamente com a turma, e foi lindo de ver. A professora soube inseri-la no grupo de um jeito que ela participou e ficou feliz por estar ali.
Após esse período, no ano seguinte, passamos por uma fase um pouco difícil. Mudamos de casa, a professora mudou, os horários mudaram. A irmã, que estudava no mesmo período (à tarde), passou a estudar pela manhã, pois havia iniciado o sexto ano e o colégio oferecia apenas esse turno. Tantas mudanças repentinas desencadearam uma crise de insegurança e medo na nossa autista, e tivemos muita dificuldade em lidar com isso.
Ela tinha crises de choro intensas. Chorava alto, num tom de desespero que era difícil de acalmar. Lembro de levá-la para passear no parque, no mercado, no shopping, ou até mesmo até a porta da escola, e ela não querer entrar, chorando aos berros. Eu perguntava se queria ir embora, ela dizia que sim, mas continuava chorando em casa.
Utilizamos várias estratégias para mostrar que ela estava segura naquele novo contexto. Buscamos ajuda profissional e, aos poucos, ela foi compreendendo: estávamos na casa nova, a mana estudava em outro turno e não ficaria mais o tempo todo em casa com ela, e tudo bem. Com o tempo, foi se sentindo mais segura e feliz. Foi uma fase difícil, mas de muito aprendizado.
Tudo no seu tempo. Foi isso que aprendi nesse período: respeitar o ritmo, as fases, entender as crises, acolher com amor, e trazer calma e segurança para ela, para mim e para nossa família. E se há algo que o tempo ensina com delicadeza e firmeza, é que cada conquista vem na hora certa. Nem antes, nem depois. Basta estar presente, com o coração aberto e os olhos atentos, para perceber quando é a hora de avançar ou recuar. Sempre juntos!