Foco e Hiperfoco

Frequentemente ouvimos falar sobre a importância do foco em nossas atividades diárias. Estar focado significa dedicar atenção total, esforço e concentração a um objetivo ou tarefa específica. Porém, quando essa concentração em um tema ou atividade faz a pessoa “desligar-se” completamente dos estímulos externos que não estão relacionados ao assunto, estamos falando de hiperfoco.

Esse fenômeno, comum em muitos autistas, pode ser tanto uma habilidade valiosa que leva a resultados impressionantes quanto um desafio a ser administrado. Em ambos os casos, é fundamental conhecer, identificar, avaliar o grau de isolamento da realidade e direcionar para ações e comportamentos física, mental e socialmente saudáveis.

Nossa filha autista apresenta os dois tipos de comportamento: sempre foi muito focada nas atividades que realiza e, além disso, costuma ter um “hiperfoco da vez” (um assunto recorrente que vive intensamente, de acordo com a fase e a idade). Nas atividades em que é focada, como as tarefas escolares ou quando pedimos que realize algo, ela executa com determinação, sempre com o espírito de concluir o que começou, “livrar-se” do compromisso. Confesso que isso é pura genética, porque também sou assim.

Quando falamos de hiperfoco, no entanto, o interesse sempre esteve diretamente ligado à fase em que ela se encontrava. O primeiro grande e intenso hiperfoco foi em um desenho animado musical chamado “A Galinha Pintadinha”. Ela praticamente nasceu junto com o lançamento do primeiro álbum, uma coletânea de CDs e DVDs que reunia cantigas de roda e canções infantis conhecidas, além de composições próprias. As músicas eram simples, fáceis, algumas educativas, outras clássicas, sempre acompanhadas de arranjos alegres e legendas que ajudavam no acompanhamento. Nos DVDs, os clipes animados traziam imagens coloridas e cativantes que davam vida aos personagens queridos:a Galinha Pintadinha, o Galo Carijó, a Baratinha, a Borboletinha e tantos outros. Resultado: encantamento total!

Nessa época, nossa filha ainda não falava, mas cantava todas as músicas da coleção. Lembro de uma viagem de cerca de uma hora em que ela passou o trajeto inteiro cantando, com os personagens nas mãos. Quando começou a desenhar, os traços eram sempre da Galinha e sua turma. Brinquedos, cobertores, festas de aniversário… tudo girava em torno desse tema. Foram anos de “pópópópópó”, até que, aos 8 anos, quando aprendeu a ler e escrever e ganhou um tablet, passou a descobrir outros personagens e vídeos.

Então surgiu um novo hiperfoco: os vídeos chamados Doodolândia (ou Doodland), animações curtas e bem-humoradas em que objetos comuns, como frutas e doces, ganham vida e vivem pequenas aventuras. Com narrativas divertidas e estética simples, esses vídeos foram aos poucos inspirando seus desenhos, que deixaram de retratar a Galinha Pintadinha e passaram a se aproximar do estilo visual que ela tanto assistia. Acredito que essa fase tenha exercido uma influência artística significativa na forma de arte que ela desenvolve hoje.

No momento, o hiperfoco dela está em hinos e bandeiras catarinenses. Já fazem meses que ouvimos pela casa músicas e nomes de cidades que nunca tínhamos ouvido falar. O mais curioso é como esse pensamento está sempre presente: se alguém diz “vamos passear na vovó”, ela logo completa com algo como “a casa da vovó é em Videira, Santa Catarina”, mesmo sem nunca ter visitado essa cidade.

Sei que, com o tempo, ela mudará novamente de tema, mas enxergo tudo como aprendizado. Percebo que, enquanto se dedica ao hiperfoco, ela está aprendendo, desenvolvendo habilidades e, principalmente, canalizando sua energia de forma que a faz se sentir bem. E como tanto em casa, quanto na escola ou na família entendemos e respeitamos o seu jeito de ser, deixamos que ela fale, pesquise, cante e desenhe sobre o que está focada no momento. E tudo bem. No fim das contas, nós também aprendemos muito com isso.

Desenhos Camila
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