O desafio e a beleza de ensinar

No último texto, em homenagem ao Dia do Professor, mostrei meu reconhecimento e gratidão aos meus parceiros de jornada: as auxiliares de classe e os segundos professores. Todavia, neste texto, gostaria de dedicar minhas palavras aos professores regentes e aos professores de disciplinas específicas, que recebem o aluno autista em uma sala com outros 20 ou 30 alunos neurotípicos.

Durante esses mais de dez anos de vida escolar da minha filha, conheci professores que foram verdadeiros mestres na arte de ensinar. Lembro de uma professora regente que minha filha teve em um colégio municipal: no primeiro contato, percebi a aceitação e a disposição em recebê-la na turma. E, de fato, essa professora conseguiu integrá-la, incluí-la nas atividades e me mandava fotos nas quais eu via a carinha de satisfação da minha pequena.

No quarto ano do ensino fundamental, uma outra professora dessa mesma escola me surpreendeu; ao saber que teria minha filha como aluna, entrou em contato comigo para conhecê-la melhor. Veio até nossa casa, conversou comigo, fez várias perguntas e quis saber o que ela gostava de fazer, suas preferências e suas manias — tudo para preparar um material adequado para o ano letivo. Senti nela um desejo genuíno de fazer o melhor. Havia um pouco de apreensão, é claro, mas uma certeza ainda maior de acolhimento. Infelizmente, aquele foi o ano da pandemia da Covid-19, e as aulas presenciais duraram poucas semanas. Mesmo assim, todo o material produzido tinha um carinho perceptível. Eu aplicava as atividades, enviava vídeos, e o objetivo do ano foi alcançado.

No ensino fundamental, destaco também o papel essencial do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Nas escolas em que minha filha estudou, as profissionais responsáveis por esse atendimento desempenharam um ótimo trabalho, dando suporte à professora regente e contribuindo muito para o desenvolvimento dela.

Hoje, atuando como professora de jovens e adolescentes, vejo como é desafiador receber um aluno com um laudo específico. No meu caso, trabalho com educação profissional, e meus alunos são contratados pelas indústrias. Assim, recebo pessoas autistas com autonomia e bom desenvolvimento cognitivo, geralmente com nível um de suporte. Alguns demonstram poucas dificuldades em acompanhar a turma, enquanto outros se destacam pelas habilidades técnicas (especialmente em informática).

Lembro com carinho de um excelente aluno autista. Toda semana, durante minha aula, eu tirava um tempo para conversar com ele sobre seu hiperfoco. Ele me mostrava as histórias que escrevia, os personagens que criava, os desenhos que fazia. Eu procurava me inteirar e entender seu mundo. Ele ficava animado, saía da aula com um sorriso no rosto, e isso me fazia muito bem.

Entretanto, os professores das séries iniciais e do ensino fundamental enfrentam desafios ainda maiores. Seus pequenos alunos estão em fase de formação e desenvolvimento cognitivo e precisam de mais suporte (tanto técnico quanto emocional). Imagino o quanto deve ser desafiador manter a harmonia da turma, atender às necessidades de cada um e ainda garantir o aprendizado de todos. Tenho profunda admiração por quem desempenha essa função com tanta dedicação.

Pensando bem, talvez seja aí que resida a verdadeira beleza de ser professor: no desafio diário de enxergar o lado humano dos alunos, de ensinar com paixão, de inovar nos métodos e de acreditar que cada passo vale a pena. É olhar para cada indivíduo como único, compreender suas potencialidades, ajustar o foco, envolver-se com sinceridade e seguir juntos; aprendendo e evoluindo a cada dia.

Como professora, sinto que cada aluno que passa por mim, típico ou atípico, me ensina algo e contribui para o meu desenvolvimento humano e profissional. Da mesma forma, todos os professores que já passaram; e os que ainda passarão; pela minha vida e pela vida da minha filha também deixam um pouquinho de si em nossa história.

Sei que é difícil ser professor de uma pessoa neuroatípica, com comportamentos tão singulares, mas acredito que cada dificuldade guarda uma oportunidade. Como diz a professora Lúcia Helena Galvão, por quem tenho imensa gratidão e respeito: “Do outro lado das dificuldades, você vai encontrar um ser humano melhor, mais legitimamente humano, se souber atravessá-las com dignidade e extrair delas o que tinham para te ensinar.”

Que a dificuldade de ensinar um aluno autista nos torne professores e pessoas  melhores!

Receba outras notícias pelo WhatsApp. Clique aqui e entre no grupo do Além da deficiência.

RECOMENDADAS PARA VOCÊ​

Rolar para cima