Antes do diagnóstico, existe uma criança

Às vezes, o diagnóstico chega como um rótulo pesado. Chega acompanhado de termos técnicos, siglas difíceis e previsões que assustam. Em meio a tudo isso, é comum que o olhar sobre a criança se perca entre relatórios e laudos. Mas, antes de qualquer palavra escrita em um papel, existe alguém. Uma criança que quer brincar, ser amada, ser vista — e é aí que a inclusão realmente começa: quando o ser vem antes do ter.

O diagnóstico é importante, sim. Ele orienta intervenções, define caminhos e ajuda profissionais e famílias a compreenderem melhor as necessidades da criança. Mas ele não define quem ela é. Nenhuma sigla traduz o brilho no olhar, o riso espontâneo, o gesto de carinho, o esforço diante de um desafio. A criança é sempre mais do que o que está descrito em relatórios — ela é história viva, feita de possibilidades e descobertas.

Como pedagoga, aprendi que o diagnóstico deve ser uma bússola, não um limite. Ele nos aponta direções, mas não determina o destino. Quando enxergamos apenas o laudo, corremos o risco de reduzir o olhar, de ver o que falta em vez de perceber o que pulsa. E é justamente o contrário que transforma a prática pedagógica: ver o potencial antes da limitação, a intenção antes da execução, o desejo antes da dificuldade.

Nas escolas e nas famílias, ainda é comum ouvir frases como “ele não faz porque tem…” ou “ela é assim por causa de…”. Mas quando substituímos o “porque tem” pelo “como posso ajudar”, tudo muda. A pergunta deixa de ser sobre o diagnóstico e passa a ser sobre a criança. E essa mudança de olhar abre espaço para que ela se sinta capaz, pertencente, valorizada.

O trabalho com inclusão exige, antes de tudo, escuta e presença. Cada criança comunica à sua maneira — com o olhar, com o corpo, com gestos, com silêncios. O papel do educador e da família é decifrar essas linguagens e construir pontes, em vez de muros. A inclusão começa quando acreditamos que todo ser humano é capaz de aprender — e que o ritmo e a forma podem ser diferentes, mas o direito é o mesmo.

O diagnóstico é um ponto de partida, não de chegada. Ele não é sentença, é ferramenta. Ele nos ajuda a entender o caminho, mas é o vínculo que faz a caminhada acontecer. Por isso, antes de rotular, é preciso acolher. Antes de intervir, é preciso ouvir. Antes de planejar, é preciso enxergar a criança em sua inteireza — com seus medos, desejos, talentos e afetos.

E quando esse olhar sensível se instala, algo muda dentro da gente também. Passamos a ver que a deficiência não apaga a infância, não anula o brincar, não diminui o valor de uma vida. Pelo contrário: ela nos convida a olhar o humano em sua forma mais genuína — aquela que não precisa ser perfeita para ser inteira.

Antes do diagnóstico, existe uma criança. E é por ela — e com ela — que toda inclusão começa.

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