Nem todo luto é marcado por despedidas visíveis. Alguns lutos vivem em silêncio, guardados em cantos da alma onde ninguém vê — mas onde tudo sente.
Na coluna anterior, falamos sobre o filho ideal. Aquele que foi sonhado antes mesmo de ser gerado. A imagem de um caminhar sem tropeços, de um futuro alinhado ao que esperávamos da vida. E de como um diagnóstico pode romper com essas projeções, dando lugar a uma realidade inesperada.
Hoje, seguimos com uma pergunta essencial: Como atravessar esse luto simbólico?
A resposta não é simples, nem rápida. Mas ela começa com um passo essencial: reconhecer. Dar nome a dor. Admitir que ela existe. E permitir-se senti-la, sem culpa. Porque não é ingratidão, nem desamor, é humanidade.
É natural sentir tristeza, frustração, medo, raiva.
É natural não saber exatamente o que se sente.
É natural se perguntar se é permitido sentir tudo isso.
E é nesse momento que entra algo muito poderoso: a permissão interna para ser vulnerável. Atravessar o luto simbólico não é “superar” o filho ideal — mas aprender a se despedir da expectativa, para que haja espaço real para o encontro. É um processo que pede tempo. Que convida ao acolhimento das emoções, ao diálogo com as memórias e à reconstrução do vínculo com esse filho real e tão amado.
Às vezes, isso pode acontecer com o apoio de uma escuta sensível, de um espaço terapêutico que acolha sem julgamentos. Outras vezes, vem através da partilha com outras mães, que carregam dores parecidas e, também, esperanças transformadas. Não existe um jeito certo de viver esse processo. Mas há algo que sempre ajuda: não caminhar sozinha.
A terapia pode ser esse espaço seguro, onde o luto encontra palavras e onde o amor encontra novas formas de se expressar — livres da culpa, mais próximas da verdade. Amar um filho real começa por aceitar o que não foi. E cuidar de si mesma é, também, cuidar da forma mais profunda de amor que existe: aquela que se transforma, mesmo diante da dor.
Na próxima coluna, vamos falar sobre os mitos em torno da maternidade atípica — e como eles podem aprisionar ainda mais essa mulher que já carrega tantas batalhas dentro de si.
Até lá, com carinho.