Convivendo com as estereotipias

Você já percebeu como todos nós temos pequenos gestos repetitivos no dia a dia? Alguém que balança a perna constantemente enquanto está sentado, quem enrola a ponta do cabelo enquanto conversa, quem morde a língua quando está concentrado, quem pisca demais ou esfrega os dedos sem perceber… Esses comportamentos, muitas vezes inconscientes, têm um nome: estereotipias.

De forma simples, a estereotipia, também chamada de stimming, é a repetição de movimentos, sons ou ações que parecem não ter um propósito específico, mas que têm um papel importante: ajudam a regular emoções, aliviar tensões ou expressar sentimentos que nem sempre conseguimos colocar em palavras.

No autismo, essas manifestações costumam ser mais específicas. Podem aparecer como o “flapping” (balançar as mãos ou os braços rapidamente ao lado do corpo), balançar o tronco para frente e para trás, girar objetos, balançar algo na frente dos olhos, andar na ponta dos pés, fazer sons sem sentido… a lista é ampla.

No caso da nossa filha, as estereotipias foram mudando com o tempo; e acredito que continuarão mudando, pois, dependem da fase, da idade, do contexto, do estado emocional ou da situação. Alguns gestos a acompanham desde pequena, como balançar as mãos perto do rosto sempre que está muito feliz e eufórica.

Em algumas situações, foi necessário intervir, pois certas estereotipias eram agressivas com os outros ou até com ela mesma. A primeira delas surgiu por volta dos 5 anos: ela apertava as bochechas dos colegas com tanta força que chegava a machucar. Nosso trabalho foi intenso para mostrar que esse comportamento não era legal. Combinamos com as professoras e, juntos, repetíamos sempre: “Só carinho!” Hoje, ela mesma se aproxima, e antes de colocar a mão no nosso rosto ela fala em alto e bom tom: “Só carinho!”.

Aos 10 anos, ela começou a morder o próprio braço quando estava estressada, contrariada ou infeliz. Como já era mais velha, trabalhamos a consciência desse ato, mostrando o resultado: braços roxos, doloridos. Ela foi entendendo que não podia fazer isso e, aos poucos, esse impulso foi substituído por pequenos tapas na perna ou no peito. Então, fomos conduzindo para que batesse em objetos, como na cadeira ou na mesa, sempre reforçando: “Devagar, para não se machucar”. Hoje, ela estala os dedos, faz caretas, anda pela casa…

Algumas estereotipias são até engraçadas. Antes de entrar em um ambiente, ela dá uma paradinha na porta e move o pé para frente e para trás, como um ritual. Outras vezes, solta frases de vídeos que assiste ou canta uma música aleatória; e isso, muitas vezes, é cômico por ser totalmente fora de contexto. Mesmo convivendo há tanto tempo com ela, ainda somos pegos de surpresa e rimos juntos.

Mas também existem aquelas que colocam minha paciência à prova. A que mais me desafia é quando ela canta em um tom sofrido, quase angustiante. Não é a música que incomoda, mas a forma como ela sai, carregada de tensão. Percebo que isso acontece sempre que ela está desconfortável ou contrariada. Nesses momentos, respiro fundo, tento manter a calma e, em vez de reagir com irritação, procuro entender o que está por trás daquele comportamento. Converso com ela, acolho o que ela sente e tento encontrar uma forma de amenizar a situação sem aumentar sua frustração e nem a minha.

Com o tempo, convivendo com as estereotipias, percebi que minha filha tem quase uma coleção delas (uma para cada ocasião) e que elas também são uma forma de comunicação. Como ela tem dificuldade de se expressar, esses gestos e sons nos sinalizam quando algo não vai bem ou quando está muito feliz. Se canta em tom de angústia, sabemos que há desconforto. Se canta alto no balanço, é alegria pura.

Cada movimento, cada som, é um código que nos aproxima, nos conecta e nos ensina a entender seu mundo. E assim seguimos: vivendo, convivendo, aprendendo e, acima de tudo, respeitando o tempo e a forma de cada expressão.

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