Enquanto as terapias se intensificavam, os objetivos eram alcançados e novos desafios surgiam, lá estava eu: mãe de duas meninas, cuidando da casa, sendo esposa e organizando tudo para manter um lar “normal”. Fazia questão de garantir que o autismo da nossa filha mais nova não fosse a única coisa presente na nossa vida e que essa condição não interferisse negativamente na vida da nossa filha mais velha, nem no nosso casamento.
Meu marido sempre foi, e continua sendo, parceiro, compreensivo e presente. Sempre nos deu suporte, tanto financeiro quanto emocional. Nós dois concordamos desde o início (ainda antes do diagnóstico) que a filha mais velha não teria responsabilidades nem obrigações relacionadas à irmã. Desde o nascimento da caçula, tivemos o cuidado de dar atenção de forma individualizada para cada uma, respeitando suas idades e necessidades. Explicávamos à mais velha que a irmã era um bebê e, por isso, precisava de mais atenção naquele momento, mas que isso não significava que o pai ou a mãe deixariam de cuidar dela.
Durante o período em que fiquei em casa, totalmente dedicada às terapias, redobrei esse cuidado: a mais velha era apenas irmã, não era responsável pela educação ou pelos atendimentos da caçula. Sempre que possível, promovia momentos só com ela: íamos ao cinema, ao shopping, à casa de amigas. Criamos uma vida que ia além do autismo da irmã. Isto a fez crescer amando a mana do jeitinho que ela é sem ressentimentos pois, acredito que apesar de eu me dedicar a educação específica da mais nova, nunca deixei a desejar como mãe.
Se perguntar para ela (e eu perguntei) como é ter uma irmã autista ela vai dizer: “é normal” e o amor entre as duas sempre foi bonito de ver. Inclusive, vale dizer que, por ter uma irmã autista, ela se tornou mais sensível e compreensiva com os colegas autistas com quem conviveu na escola. Além do mais, tomamos o cuidado de matriculá-las em escolas diferentes.
A intenção era garantir que a mais velha tivesse sua própria vivência, sem ser rotulada como “a irmã da menina autista”. Queríamos que ela fosse reconhecida pelas suas características e talentos. Hoje, ela é exatamente isso: reconhecida pelo que é. No colégio, destaca-se no coral, na dança e na matemática. E os amigos mais próximos conhecem e convivem com a mana de maneira natural, sem estranhamentos.
Mas confesso: não foi fácil. Tive que me desdobrar em muitas para dar conta de tudo. Ainda bem que tudo passa. Ufa!
Lembro de conversar com uma psicóloga, na época, e desabafar sobre a exaustão. Ela me disse algo que nunca esqueci: “Pati, tu és mãe, não terapeuta. Cuida mais de ti e da tua família sem te cobrar tanto.”
Aquela frase foi um alerta. Um chamado para retomar o equilíbrio. Comecei a perceber que havia dificuldades na minha filha autista que, por mais que eu me esforçasse, não evoluíam. Era como se 99% do esforço fosse meu para apenas 1% de resultado.
Foi quando entendi que precisava deixar a natureza agir. Ela já tinha 6 anos de idade e eu estava, de fato, muito cansada. Decidi relaxar e confiar mais no trabalho dos terapeutas e professores. A partir dali me permiti ser mais mãe e menos terapeuta.
Essa mudança de postura não significou desistência, mas sim amadurecimento. Entendi que ser mãe não é sobre dar conta de tudo, mas sobre estar presente com amor, afeto e equilíbrio.
Seguir ao lado da minha filha, respeitando seu tempo e confiando nas parcerias que a vida me trouxe, foi o passo mais importante que dei; por ela, pela nossa família e por mim mesma e assim continuamos seguindo juntas, crescendo e aprendendo, um dia de cada vez.