No texto anterior, compartilhei como foi a difícil jornada até o diagnóstico da minha filha, um caminho repleto de dúvidas, frustrações e incertezas, mas o que veio depois foi um verdadeiro choque de realidade.
O encaminhamento da neuropediatra foi diretamente para Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e dizia: “2 anos e 8 meses, com sinais dentro do espectro dos transtornos globais de desenvolvimento, solicitamos avaliação interdisciplinar”. Com este documento em mãos, fomos até a Apae mais próxima da nossa casa e matriculamos nossa pequena na terapia. Ela iniciou na estimulação essencial: uma hora por dia, duas vezes por semana (o recomendado para a avaliação solicitada).
Na semana seguinte, foi a minha vez de começar a terapia, no sentido mais profundo da palavra. Cheguei à Apae no dia e hora marcados com minha linda menina e levei um choque ao entrar; passei por corredores onde vi meninos, meninas, jovens, adultos… tantas pessoas com os mais diversos tipos de deficiência. Respirei fundo, segui até a sala onde ela seria atendida e pensei: “Vou ter que conviver com essas pessoas…“estranhas”? Minha filha vai ser uma delas? Será que essa vai ser a minha nova realidade?
Durante minha infância e juventude, não convivi com pessoas com deficiência. Lembro que, quando criança, eu tinha medo de pessoas “diferentes”. Por volta dos 5 anos, havia um senhor que morava sozinho perto da casa da minha avó. Ele tinha uma cabra, um rádio sempre ligado e ficava em uma pedra gritando para quem passava. Os adultos da família nos assustavam dizendo que, se não nos comportássemos, ele viria nos pegar.
Também me lembro de um menino, filho do dono de um mercadinho do bairro. Éramos aconselhados a não falar com ele porque “era louco”. Além disso, na adolescência, havia uma menina, filha de uma costureira, que pegava o mesmo ônibus que eu, quando ia para a escola. Hoje, ao lembrar do jeito como ela entrava, se sentava e se comportava durante a viagem, acredito que ela fosse autista. Mas, por não ter sido educada para lidar com o que era diferente, nunca troquei com ela sequer um olhar ou um sorriso.
Voltando à Apae: levei minha filha até a sala da terapeuta, conversei um pouco, deixei-a na sessão e fiquei na sala de espera com as outras mães. Aos poucos, fui conversando, ouvindo suas histórias, conhecendo… e comecei a relaxar. Aquele medo e aquele preconceito, que até então existiam dentro de mim, começaram a desaparecer. Aos poucos, aqueles rostos estranhos deixaram de me causar estranheza: aprendi seus nomes, conheci suas histórias, suas famílias; entendi seus contextos, suas condições, os desafios, as conquistas e as evoluções.
Hoje percebo o quanto essa experiência me fez crescer e amadurecer e passei a enxergar Além da Deficiência. Dentro de cada corpo ou rosto marcado por alguma condição, existe uma vida querendo se expressar, existe um ser que quer viver, amar, superar desafios, interagir.
Aquele primeiro passo dentro da Apae foi só o começo; a partir dali, iniciamos uma caminhada feita de descobertas, adaptações e muitos aprendizados. Minha filha frequentou a instituição por oito meses e, depois desse período, foi encaminhada para acompanhamento com um fonoaudiólogo especialista em TEA. Foi então que começamos a entender o que realmente significa “intervenção precoce” e como as terapias se tornariam parte essencial da nossa rotina e da evolução da nossa filha.