Acesso a livros de autores com deficiência ainda enfrenta barreiras Escritora denuncia dificuldades para esses autores serem reconhecidos

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Artistas com deficiência sempre existiram, mas por muito tempo o capacitismo os manteve excluídos da cultura brasileira. Ainda hoje, poucos deles são conhecidos ou reconhecidos no país e, no caso da literatura, poucos deles são lidos.

Para a pesquisadora, filóloga, escritora e criadora do perfil no Instagram chamado PCD Perigosa, Amanda Soares, a principal dificuldade dentro da discussão da literatura é “reconhecer o sujeito com deficiência como um sujeito produtor”. Ela reforça que a literatura é um caminho para que as histórias de vida dessas pessoas com deficiência sejam conhecidas. No entanto, destaca ela, essas narrativas ainda são pouco acessíveis no país.

“A literatura é responsável por fazer com que a gente guarde a memória do mundo e com que a gente também reflita sobre um tempo específico do mundo. Ela é responsável por documentar cada tempo. Mas o que a gente sabe sobre pessoas com deficiência para além de acessibilidade e inclusão? Por isso é preciso estudar as narrativas de pessoas com deficiência, principalmente aquelas que são criadas sobre elas”, disse ela à Agência Brasil antes de dar uma oficina sobre Liter Def – literatura produzida por e para pessoas com deficiência – na Festa Literária Internacional do Pelourinho, a Flipelô, que acontece no centro histórico de Salvador.

Uma dificuldade encontrada por esses escritores, exemplificou Amanda, é conseguir participar de festas literárias, como a Flipelô, onde poderiam divulgar seus trabalhos. “Pouquíssimos autores conseguem chegar aqui por uma série de questões financeiras ou estruturais porque o corpo com deficiência precisa de muito mais para conseguir se estabelecer. E a arte no Brasil é complicada, insalubre para qualquer corpo. Então, para um corpo que precisa demais, é bem complicado falar sobre essa visibilidade”.

Participar dessas festas literárias, defende Amanda, seria extremamente importante tanto para os escritores Liter Def quanto para seus leitores. “É necessário que a gente esteja presente fisicamente porque a literatura PCD [pessoa com deficiência], em geral, acaba se propagando no digital, que é muito importante, mas o contato físico ou o contato humano é muito significativo para a construção da memória porque é a partir dele que a gente entende a as características de humanidade. Eu me reconheço em você e você, mesmo sendo uma jornalista que não tem uma deficiência, se reconhece em mim em vários pontos porque a gente se atravessa. Esse tipo de contato é primordial para um autor com deficiência, inclusive para uma rede de contatos de trabalhos”, destacou.

 

Mapeamento

O universo desses escritores PCD ainda não é conhecido no Brasil. Mas, no ano passado, o Ministério da Cultura e a Universidade Federal da Bahia começaram a fazer um levantamento para mapear artistas, agentes culturais e profissionais com ou sem deficiência que atuam na área da acessibilidade cultural.

Chamado de Mapeamento Acessa Mais, o projeto busca identificar esses profissionais em todo o território brasileiro com o objetivo de fomentar a criação de políticas públicas que possam tornar a cultura brasileira mais acessível e inclusiva. Esses dados, diz o ministério, serão fundamentais para garantir que o setor cultural seja inclusivo e atenda às necessidades e demandas de artistas e profissionais com deficiência.

Para Amanda, o mapeamento ajudará a dimensionar a produção e, principalmente, ajudar a conhecer os autores PCD do país. “Acho que falta uma profundidade para trabalhar pessoas com deficiência dentro da literatura e dentro dos demais assuntos. Nós ficamos sempre [focando] no ponto da acessibilidade e inclusão, só que eu acredito que a acessibilidade e a inclusão são [apenas] ferramentas. Mas quem usa essas ferramentas? Se a gente soubesse mais sobre o sujeito, a gente defenderia melhor as ferramentas, justamente porque a gente saberia o por quê que ele as utiliza. É a partir do sujeito que se estuda todas as outras coisas”.

Ela também defende que esse levantamento poderá ajudar a desenvolver políticas públicas mais eficientes para essa população, que não pode ser baseada somente em cotas. “O fato de haver cota não necessariamente garante que a pessoa vai conseguir acessar a cota”, diz ela.

As cotas são super importantes mas, muitas vezes, a gente está definindo qual corpo vai conseguir acessar essa cota porque o corpo que tem deficiência intelectual, por exemplo, vai precisar de um terceiro para conseguir chegar até lá. Talvez falte uma política pública voltada a como preencher esses formulários e a identificar esses artistas e conseguir direcioná-los”.

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