As palavras que usamos todos os dias moldam realidades. Elas podem acolher ou excluir, aproximar ou afastar. No universo da deficiência e do desenvolvimento infantil, isso se torna ainda mais evidente: a linguagem que escolhemos tem o poder de reforçar preconceitos ou de promover respeito e inclusão.
Falar de forma adequada sobre deficiência não é um exagero, nem um policiamento da linguagem. É, antes de tudo, um gesto de humanidade. Usar os termos corretos é reconhecer a dignidade da pessoa, enxergá-la além do diagnóstico, e contribuir para uma sociedade mais justa.
Por que os termos importam? A maneira como nomeamos o outro revela muito sobre a forma como o enxergamos. Ao longo da história, pessoas com deficiência foram descritas com termos carregados de estigmas e visões distorcidas. Muitos desses termos ainda circulam, muitas vezes por hábito ou falta de informação. Mas é preciso avançar.
Você já ouviu alguém dizer que uma criança “sofre de autismo” ou que alguém é “preso a uma cadeira de rodas”? Expressões como essas reforçam uma narrativa de dor e limitação. E mais: reduzem a pessoa à sua condição.
Mas ninguém “sofre de autismo” por definição — muitas pessoas autistas vivem plenamente, desde que recebam apoio e respeito. Ninguém está “preso” a uma cadeira de rodas — pelo contrário, ela representa mobilidade e liberdade.
Termos que devemos evitar
A seguir, trago alguns exemplos de expressões ainda comuns, mas que devemos substituir:
- ❌ Portador de deficiência – A deficiência não é algo que se “porta”. A forma correta é pessoa com deficiência.
- ❌ Deficiente (isoladamente) – Reduz a identidade da pessoa à sua condição. Prefira pessoa com deficiência.
- ❌ Sofre de… – A condição não define sofrimento. Use tem ou é, de acordo com a preferência da pessoa.
- ❌ Preso à cadeira de rodas – Prefira pessoa que usa cadeira de rodas.
- ❌ Pessoa normal – O termo correto é pessoa sem deficiência ou neurotípica, quando nos referimos ao desenvolvimento neurológico.
Termos mais adequados
A forma mais respeitosa de se referir a alguém é aquela que considera a sua humanidade antes de qualquer condição. Veja alguns exemplos:
- ✅ Pessoa com deficiência – Termo oficial adotado pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU (2006), ratificada pelo Brasil com equivalência constitucional.
- ✅ Pessoa com autismo / pessoa autista – Ambas as formas são aceitas; a preferência varia de pessoa para pessoa.
- ✅ Pessoa com paralisia cerebral
- ✅ Pessoa com síndrome de Down
- ✅ Pessoa com transtorno do desenvolvimento da linguagem (TDL)
- ✅ Pessoa neurodivergente
O mais importante é evitar termos que reduzam a pessoa à sua condição ou que reforcem estereótipos negativos.
Pessoa antes da condição? Ou identidade afirmada? Alguns movimentos sociais preferem usar a linguagem afirmativa de identidade — como “sou autista”, “sou surdo”, “sou cego” — como forma de valorização da própria vivência. Outros preferem a linguagem centrada na pessoa, como “pessoa com autismo”.
Ambas as formas são legítimas. O mais importante é ouvir e respeitar como a própria pessoa deseja ser chamada. A linguagem inclusiva começa na escuta.
Errar faz parte, escutar é essencial. Não saber tudo é natural. A linguagem está em constante evolução, impulsionada pelo avanço das lutas sociais e pela escuta de quem antes não era ouvido. Mais do que ter uma “lista certa”, é fundamental estar aberto ao aprendizado. Se alguém te corrigir, escute com respeito. Se tiver dúvida, pergunte. Atualizar o vocabulário não é um fardo — é um gesto de empatia, um convite à convivência mais respeitosa e verdadeira.
Palavras constroem. Elas são pontes — ou muros. Ao escolher com cuidado a forma como falamos sobre deficiência e desenvolvimento, estamos ajudando a construir um mundo mais justo, acessível e humano. Porque, no fim das contas, não estamos apenas falando de termos — estamos falando de pessoas.